quinta-feira, 8 de abril de 2010

Justificando a ausência

E aí, galera, tudo bem? Pessoal, sei que estou distante do blog, mas tenho tido muitos compromissos, elaboração de materiais, provas, enfim... entretanto, estou com uns textos bem legais para disparar para vocês nos próximos dias, tá certo? Aguardem que vem coisa legal por aí!

Abraços.

Raimundo Poeta

sexta-feira, 19 de março de 2010

Uma noite para a história



Acabei de ler no site Terra que será lançado no Festival “É Tudo Verdade” o filme Uma Noite em 67, que retrata o dia da final do III Festival da Música Popular Brasileira, verdadeiro divisor de águas da história de nossa canção. Apesar de ser um documentário, repleto de entrevistas de personagens como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu Lobo e (do hoje esquecido) Sérgio Ricardo, cabe dizer que é um marco importante ao relatar uma noite que nos brindou com o melhor de nossa música, tanto em termos de riqueza quanto de popularidade. Aliás, porque não dizer, uma noite beatloriana. Sim, perdoe-me o neologismo; mas ele vem bem a calhar. Afinal, os Beatles dividiam a platéia, fosse pela admiração ou pela ojeriza. Mas não é dos Beatles que quero falar, mas sim deste festival maravilhoso, plural em sua essência e repleto de belas obras.
Aliás, é muito fácil reduzirmos este festival a seus grandes marcos na história da MPB. Não é segredo pra ninguém que “Roda Viva”, “Alegria, Alegria”, “Domingo no Parque” e a vencedora “Ponteio” mudaram totalmente os rumos do nosso cancioneiro. Era inimaginável a forma como estas canções foram concebidas e apresentadas, dando uma nova visão de instrumentação e arranjo (caso das pré-tropicalistas canções de Caetano e Gil), seja na fusão de elementos e arranjo (caso da obra-prima do Chico) e pela junção entre o regional, a bossa-nova e uma instrumentação original e poderosa (caso da belíssima parceria entre Edu Lobo e José Carlos Capinan). Entretanto, outras belas canções surgiram e precisamos lembrar delas também.
Comecemos pela fantástica “Capoeirada”, do mestre Erasmo Carlos. Mestre sim! Um gênio, um dos primeiros a ousar e querer fundir o rock com o samba. E este híbrido regional criado pelo “Tremendão” perdeu-se na história, já que foi rejeitado tanto pelos jovem-guardistas (que não entendiam a proposta de enfiar um berimbau numa música com guitarras) quanto pelos vanguardistas (que não aceitavam a figura do Erasmo, tanto por ser jovem-guardista quanto por ser provocador). O fato é que a música é tão genial que foi convertida numa versão estrangeira para orquestras, chamada “Easy Days, Easy Nights”. Pois é... perdida no tempo, mas lembrada eternamente.
Outra canção marcante e belíssima é uma das obras-primas da MPB, criada pelo (recentemente falecido) Johnny Alf: “Eu e a Brisa” é uma das músicas mais injustiçadas, na belíssima interpretação da cantora Márcia. Se nos ensaios esta canção provocou emoção em todos os músicos, ela simplesmente não comoveu um público que se dividia entre a “rebeldia sem causa” dos jovem-guardistas e a “luta pelo poder armado e o resto que se dane” dos vanguardistas. Uma canção que sabe penetrar no âmago do que é mais belo e rico ficou perdida nas semi-finais, mas justiça seja feita, virou um sucesso logo após o evento.
Vale destacar o trabalho da já vencedora dupla Dori Caymmi/Nelsinho Motta na espetacular “O Cantador”. Na minha opinião, figura como uma das mais belas interpretações da Elis Regina, embora ela tenha “sacaneado” a Nana Caymmi um ano antes, passando a perna para gravar “Saveiros”, da dupla supracitada (e que fora vencedora do I Festival Internacional da Canção, em 1966). “O Cantador” tem uma letra empolgante e rica e, como se não bastasse, foi dela que surgiu a motivação para Edu Lobo criar a melodia e o refrão da campeoníssima “Ponteio”. Danilo pedira uma letra para Edu Lobo antes de Nelsinho e, na parte que depois seria conhecida como “Ah, eu canto a dor, canto a vida e a morte, eu canto o amor”, entraria um certo “Ah, quem me dera agora, eu tivesse a viola pra cantar”. Tente inserir: dá certinho!
E por que não falar do brilhante Chico Maranhão? Exatos treze anos antes dele compor o belíssimo bardo de protesto “Diverdade”, gravado pela minha musa Diana Pequeno, fez outra obra belíssima, empolgante, que fez todo o teatro Paramount (ou Record Centro) abrir sombrinhas e guarda-chuvas: trata-se do delicioso frevo “Gabriela”, que empolgou toda a platéia, que dançou ritmado na vigorosa interpretação de Magro, Miltinho, Aquiles e Ruy. Nada mais, nada menos que o brilhante MPB4, que um ano antes explodirá com a fenomenal “É Preciso Perdoar”, dos baianos Alcyvando Luz e Carlos Coqueijo.
Roberto Carlos, no papel de cantor, fez uma espetacular interpretação no melhor estilo “João Gilberto” e cantou com dignidade uma belíssima canção, hoje pouco lembrada. Trata-se de “Maria, Carnaval e Cinzas”, de Luiz Carlos Paraná, que morreria seis anos depois, mas que havia sido um dos responsáveis pela emancipação da Bossa Nova como causa social, divulgando artistas iniciantes em seus bares, como o famoso Jogral. “Maria, Carnaval e Cinzas” terminou em quinto lugar, com toda a justiça do mundo.
Um hoje ignorado Sidney Miller fez uma canção longa e monótona, mas nem por isso desinteressante. “A Estrada e o Violeiro”, interpretada por ele e Nara Leão, tem uma levada gostosa e uma letra muito bem feita. Apesar de ser rejeitado pelos tradicionalistas por fazer uma fusão global entre a música popular e movimentos de vanguarda, como a pop arte (que levaria ao seu álbum “Do Guarany ao Guaraná”, de 1968), Sidney fez uma obra impecável e que merece ser lembrada sempre. “A Estrada e o Violeiro” é uma destes primeiros grandes marcos na história de nosso cancioneiro.
Por fim, deixar aqui a minha tristeza com o preconceito gerado por este festival a espetacular figura do Sérgio Ricardo, que ficou marginalizado pela sua (realmente infeliz) “Beto Bom de Bola”. A música que procurou cruzar samba, futebol e Garrincha, paixões do público brasileiro, era fraca e mal-feita, verdade. Nem de longe se comparava a outras obras marcantes deste músico carioca, como a trilha de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Zelão”, “Este Mundo é Meu” e “Luandaluar”. Porém, foi injustamente vaiado e agredido, tanto pelos grupos de vanguarda quanto pelos fãs da Jovem Guarda. Irritado, frustrado em não conseguir cantar sua canção, este homem explodiu seu violão em mil pedaços e devolveu toda aquela frustração para o público. Hoje esquecido, Sérgio deixou um grande legado para nossa canção. Fica aqui a lembrança e a esperança de que, algum dia, alguém se lembre que “todo morro entendeu quanto Zelão chorou, ninguém riu, ninguém brincou e era carnaval”.

Pode dizer, Cláudia!




Não sou muito apegado ao Orkut – acho um absurdo você perder seu dia todo e ficar expondo fatos particulares de sua vida – mas gosto de andar nas comunidades especializadas em disco de vinil e música de um modo geral. E sempre freqüento a comunidade “Disco é Cultura”, do meu amigão Huguinhu K., grande comunicador das terras gaudérias e administrador do blog “Outras Bossas”.
Recentemente, abri um tópico na comunidade chamado “O Lado B da MPB”, onde apresentamos músicos, cantores e cantoras que foram esquecidos na MPB. E a lista é imensa: se formos computar aqui, vários são os artistas que foram injustiçados ou simplesmente esquecidos. O engraçado é que alguns deles ainda hoje são revividos numa gravação ou outra, mas muita gente não sabe e acaba confundindo com algum artista mais conhecido – embora nada tenha a ver.
Óbvio que são muitos os nomes, mas um que me chamou a atenção e me fez criar este post foi a postagem, por parte do amigão Evilásio – grande fã de Bob Dylan -, do álbum “Pássaro Emigrante”, da excepcional cantora Cláudia, gravado em 1979 e lançado pela Epic/CBS. A história de Cláudia é bem esquecida na história da MPB e há motivos para isso. Ela foi detonada por nada mais, nada menos que Elis Regina. E por pura inveja ou ciúme profissional, acreditem.
Sim... pra quem não sabe, adoro a Elis, considero também como a maior cantora que este país teve e tal... mas pra mim, há outras bem melhores que ela. Só pra citar, colocaria a Elizeth Cardoso, a Gal Costa, a Maria Bethânia, a Maria Creuza, a Clara Nunes e, claro, a Diana Pequeno. Entretanto, a Elis tinha uma personalidade difícil, pra não dizer impossível. E detonou (no sentido perjorativo) várias carreiras, fosse por inveja ou ciúme. A de Cláudia foi a mais notória. Pior, criou um boato terrível de esta imitava a Pimentinha. Nada a ver.
Claro que muitos devem se perguntar “quem diabos é esta Cláudia”. Recentemente, uma das músicas que ela gravou que obteve maior sucesso – “Deixa Eu Dizer”, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza – foi sampleada pelo Marcelo D2. Já ouviu a nova música dele, que aparece uma mulher cantando “deixa, deixa, deixa eu dizer, o que penso desta vida, preciso demais desabafar”? Pois é, aquela é a Cláudia. Alguma coisa a ver com a Elis? Nada.
O que me faz refletir neste post é o fato de que a Cláudia fez um trabalho muito bom – os discos dela são até hoje valorizados, chegando a alcançar o valor de 200 reais no Mercado Livre -, pautado no Soul Music e no Samba-Rock. Algo extremamente original e bem focado, rico e bem produzido. Mas “Eliscóptero”, na sua devida preocupação de querer ser a única “estrela” do cast da Record, simplesmente evitou a contratação de Cláudia depois que esta abafou numa apresentação do Fino da Bossa. Temendo perder o seu cômodo posto de diva, Elis e seu empresário Marcos Lázaro pressionaram os Machado de Carvalho, que acabaram não contratando a jovem Cláudia. Relegada a segundo plano, apresentou-se no BO 65 da TV Tupi e, depois, virou uma itinerante, vagando por outras emissoras em apresentações esporádicas e fazendo algum sucesso pelo Brasil ao longo da década de 70. E depois desapareceu.
Assim como a Cláudia, outras cantoras desta época foram esquecidas injustamente. Caso da Claudette Soares, da Célia, da Maria Odete, da Marília Medalha, da Flora Purim... poderíamos ter uma geração muito mais ampla do que conhecemos hoje. Uma pena que, por uma questão de puro ciúme, deixou de valorizar uma artista fantástica e rica, que hoje poderia dividir, numa boa, o posto de “diva” da MPB.
Não tenho o costume de deixar músicas para a galera, mas faço questão deixar este link para a gravação de “Deixa Eu Dizer”. Escutem e conheçam um pouco mais desta injustiçada cantora, que tem uma voz soberba e um talento fora do comum. Com vocês, Cláudia!


http://www.4shared.com/file/62663265/6e12a4ef/Cludia_-_Deixa_Eu_Dizer.html?s=1

sábado, 13 de março de 2010

Domingo é Dia de Gravar Fita!




Fim de semana chegando... neste calor, uma praia, uma Bohemia gelada e estar ao lado de minha Moreninha seria a combinação perfeita. Entretanto, domingo é um dia que pode ser lembrado de outras maneiras. E então volto uns vinte anos no tempo... e, então, lembro que domingo também era dia de gravar fita!
Sim, o Jorge Ben já tinha feito uma música em que ele dizia “todo dia era dia de índio”. Mas o domingo, em especial, tinha uma coisa em comum: por ser um dia em que quase ninguém trabalhava, era o dia em que os amigos se reuniam, invariavelmente na casa daquele mais abastado. E, conseqüentemente, levavam seus discos, sentavam em frente a aparelhagem de som (que podia varia de um simples 3x1 a um sofisticado System One, da Gradiente) para gravarem suas fitas cassete.
Ora, gravar fita é bem diferente de um CD, por exemplo. Enquanto hoje você chega numa birosca qualquer e compra uns dez CDs por, sei lá, cinco reais, a fita não era tão baratinha assim. Além disso, com a restrição de importações, nós tínhamos um mercado estritamente reduzido de opções. Na década de 70, imperavam as fitas “low noise” (baixo ruído), dentre elas as da Sanyo, da Sony e da Basf. Na década de 80, começou a surgir as fitas de Cromo e, posteriormente, as de Metal. Coisa que, em outros locais, já era comum, mas por aqui demorava... mas então, uma fita custava um precinho elevado e não era todo mundo que poderia tê-la.
Além disso, um bom tape-deck (conhecido vulgarmente como toca-fitas ou gravador, embora estes fossem outros equipamentos) custava muito caro e nem todos poderiam ter. Por isso muita gente optava pelos “integrados” ou 3x1, aparelhos que reuniam toca-discos, rádio AM/FM e toca-fitas.
Passado a fase de detalhes, vinha a questão: o que gravar? Bom, para muitas pessoas, a tarefa era simplesmente gravar um disco que era legal, mas que nem todos podiam comprar. Fazia-se então uma roda comunitária: um amigo comprava o disco e os outros gravavam. Era uma verdadeira socialização, regada a conversa, bate-papo e muita alegria.
Obviamente, as fitas gravadas saiam como verdadeiras “colchas de retalhos”. Tinham de tudo um pouco, agregando John Lennon, João Gilberto, Paulinho Boca de Cantor e Edith Piaf no mesmo lado. Pense na maluquice? Mas isto era o gostoso, o “imprevisível” da gravação, ouvir “Non, Je Ne Regrette Rien” e, em seguida, “Valeu”.
Claro que havia uma pequena parcela que tratava a gravação da fita como o seu momento “eu produtor de mim mesmo”. Nada mais oportuno, logo, quando o Milton Nascimento fez “Caçador de Mim”, porque a lógica era a mesma: a busca pela auto-descoberta, mas ao invés de optar por uma auto-reflexão, optar pelo direito de criar uma fita conforme seus gostos e princípios. São dessa lavra fitas que eram verdadeiras coletâneas íntimo-pessoais, reunindo músicas desconhecidas de cantores consagrados. Imagine você pegar uma fita gravada com a Gal Costa que, ao invés de “Meu Bem, Meu Mal”, tinha “Barato Total” ou “Rumba Louca”? Muito louco!
Mas aquela mágica de escolher, disco a disco, o que gravar; o trabalho de reunir todos os discos possível de um determinado autor; a idéia, a forma de colar as músicas para torná-las atraentes entre si; o mistério, o segredo de como a fita ficaria; saber se as músicas sairiam perfeitinhas após cada gravação; enfim, uma verdadeira atmosfera que fazia um domingo inteiro servir para gravar apenas uma ou duas fitas, no máximo.
Mas isto foi se perdendo... como disse acima, hoje você compra “mídias” de CD-R baratinho e em qualquer lugar. Com um computador na Internet, você baixa arquivos (?) de MP3, com qualidade extremamente duvidosa, abre o Nero, coloca a ordem das músicas e deixa o computador fazer o resto sozinho. Perdeu-se a atmosfera do mistério. O que era uma busca maravilhosa pelo repertório perfeito virou uma cansativa repetição de um processo totalmente automatizado.
Apesar disso, uns poucos abnegados – dentre eles, este que vos fala – ainda conservam o hábito de gravar suas fitinhas. Mantendo um estoque de fitas virgens, fazemos o possível para preservar este ritual delicioso, envolvente e misterioso. Afinal, uma fita é um prazer, é uma auto-análise mesmo, você está ali buscando o que lhe intriga, o que lhe agrada, seccionando aquelas coisas que podem lhe incomodar. Gravar uma fita é uma tarefa gostosa, sadia e interessante. Melhor que isso, só estar ao lado da mulher amada.
Mas vou tentar ensinar vocês, estimados leitores, a fórmula para fazer a sua fita! Sim, façam a sua fita! Não tem tape-deck? Improvise com o computador! Não tem LP? Tudo bem, apele para o CD ou o MP3, não é tão bom, mas serve (exceto para alguns doentes em audiofilia, que acham melhor ficar buscando problemas num aparelho ou num disco). Primeiro, pense naquilo que lhe atormenta... depois, pense no artista ou no tema que você quer gravar. Achou? Pronto: posicione a sua angústia frente ao artista/tema escolhido. Busque, na sua mente, músicas que complementem o elemento principal. Escute UMA A UMA, passo a passo. Depois, vá percebendo como deve dispô-las no seu CD. Qual deve abrir o disco? Qual deve encerrar? Devo aumentar a intensidade do som e, depois, diminuir? Quem será o público que irá escutar minha fita? Pra que ela servirá?
Pronto... se você conseguiu superar tudo isto, parabéns! Agora é a bendita hora de gravar. Caso você não tenha seu tape-deck e vá fazer um “improviso neriano”, procure usar a velocidade de gravação mais baixa possível. E outra: evite usar aquela equalização automática do Nero, pois ela distorce algumas músicas. Se possível, use o Soundforge e equilibre com suas próprias mãos cada música. O que é bem mais difícil do que sentar na frente do toca-fitas e gravar suas próprias coletâneas.
A marca da fita... hum... pode ser Basf/Emtec, TDK, Maxell... mas não conheço nenhuma melhor que a Sony. O problema é: onde encontrar? No Mercado Livre sempre tem, mas é bem caro. Uma fita hoje sai na média de cinco a cinqüenta reais, dependendo do modelo e da marca.
Para você testar seu desempenho, vou mostrar uma coleção de músicas que deixo pra vocês curtirem neste domingo. Abra com um som bem intenso (“A Fim de Voltar” do Tim Maia é perfeita), envolva algo mais romântico (“Baixo Rio”, do Ed Motta ou “A Francesa”, na versão do Cláudio Zolli – a da Marina não vale), bote “Odara”, com Caetano e Nara cantando; em seguida, é a vez da versão “disco” de “Não Existe Pecado Ao Sul do Equador”, com Ney Matogresso e do reggae “Eu Também Quero Beijar”, com o fantástico Pepeu Gomes. Elektra demais? Jogue um Philips no meio, com “Taj Mahal”, do Jorge Ben (na versão do álbum “África Brasil”, a melhor de todas). Tempere com um toque mais “latino” e coloque “Kibe Cru”, do Chico Batera (tem na trilha de “O Casarão”). Aí vá pro romantismo, com “A Cruz”, do Carlos Dafé e “A Lua e Eu”, do Cassiano. Encerre o lado A com um dueto do “carvalho” entre Elis Regina e Tim Maia em “These Are The Songs”.
Para o lado B, a vez das mulheres: abra com “Espírito do Som”, com a Rosa Maria, misturando em seguida com a versão de Caetano Veloso para “It’s Now Over, Baby Blue” do Bob Dylan, mais conhecida como “Negro Amor”, gravada pela Gal Costa em 1977. Aí abra a roda e coloque um samba puxado pro soul, com Leci Brandão cantando “Essa Tal Criatura”. Uma outra boa pedida é colocar a Diana Pequeno cantando uma belíssima versão de “Um Girassol da Cor do Teu Cabelo”, seguida da versão da Wanderléia para “Menino Bonito”. Só versão? Taque uma original, com Joyce cantando “Feminina”, embale o ritmo com A Brazuca cantando “Juliana”, posicionando em seguida “Dancing Cassino”, com a Fátima Guedes. Pra encerrar, chama a turma pra dançar e coloca “A Noite Vai Chegar”, com a Lady Zu. Taí tua fita original, totalmente louca e tudo a ver – com você, não com a platinada.

E lembrem-se: nada mais gostoso que escutar o som desta fita, bem gravada, ao lado da mulher amada. Saborei!

A Odisséia Reflexiva sobre... Charlie Brown!



Sempre adorei desenhos animados. Na minha infância, passava horas me deliciando na frente da TV, assistindo várias produções em forma de cartoon. Claro que, passados 20 anos da aurora de minha vida, vejo algumas coisas que eu assistia com certas restrições, mas algumas ainda me tocam e me emocionam profundamente. Dentre estas produções, uma que sempre me encantou foi o desenho “Charlie Brown”, produção de Bill Melendez e Phil Roman baseada nos cartoons do Charles Schulz.
A magia que me tomava nestes desenhos não era o fato de eles serem sofisticados, empolgantes, aventureiros ou insanos. Muito pelo contrário: se formos analisar de uma maneira bem fria, os desenhos do “Charlie Brown” são monótonos, tem uma animação bastante simples e um tanto subjetivos. A questão é: como um desenho assim, com tantas características rejeitadas pelos estúdios de animação, conseguiu firmar-se na história e tornar-se uma das produções mais famosas e populares de todo o mundo?
A resposta é uma só: inteligência! A preocupação do Charles Schulz (transpassada pelo Bill Melendez para os desenhos) era de transmitir uma espécie de “comparativo” entre as angústias do homem adulto numa metáfora com as crianças. Logo, os personagens de “Peanuts” (como a série é conhecida nos Estados Unidos) são representações humanísticas sob a forma infantilizada. Cada qual com seus defeitos, características, situações.
Sem dúvida nenhuma, o personagem-título é o mais inquietante de todos. Charlie Brown é um garoto de, no máximo, dez anos de idade. Embora inteligente, sua personalidade é um tanto sonhadora demais, pouco presa ao cotidiano. Isto o leva a tomar decisões inseguras e, muitas vezes, atrapalhadas e precipitadas. Pode parecer uma incongruência dizer que uma pessoa é insegura e precipitada. Mas em Minduin isto se reflete de uma maneira quase lógica: sua insegurança é tamanha que ele sente a necessidade voraz de ser importante, de ser reconhecido pelas outras pessoas. Então, ele não mede esforços – daí a precipitação – para conseguir aquilo que deseja. Obviamente, como não consegue os seus intentos, acaba se fechando num casulo introspectivo, desanimado e até depressivo. Considera-se um garoto com uma crise existencial gigantesca, sem coragem para enfrentar os outros e conquistar o grande amor de sua vida, representado pela “garotinha ruiva” – que, numa das poucas vezes que foi mostrada, era o nêmesis do Charlie Brown, uma menina desenvolta, bonita e invejada pelos colegas.
O mais interessante é que, enquanto Charlie Brown representa o “opaco”, o autor o nomeia, enquanto que a “garotinha ruiva”, brilhante em sua existência, é reconhecida apenas pelo apelido dado por seu pretendente. O apelido é tão forte que permeia a idéia da existência da personagem, fazendo com que ela seja, na realidade, uma representação da musa “charliebrowniana”. Sendo mais objetivo, podemos dizer que Charlie Brown é uma representação do Charles Schulz (grande novidade). Ou melhor, sendo Charles Schulz um artista, podemos dizer que Charlie Brown é o simulacro de um artista.
Engraçado que esta percepção não partiu somente das minhas leituras sobre os desenhos do Charlie Brown, mas de uma música lançada em 1974 por um artista considerado “brega”, mas por quem nutro um grande respeito e consideração: Benito di Paula. Por muitos anos, tentei entender qual era o propósito da sua canção “Meu Amigo Charlie Brown” e confesso que procurei razões e razões para entender porque ele quer mostrar “a este amigo” elementos culturais vigentes do nosso país. Podíamos entender como um “convite ao estrangeiro para conhecer o nosso país”, mas esta visão simplista nunca me satisfez. Foi preciso mergulhar na alma do Charlie Brown e compreender que nossa cultura é um caldeirão de inspiração artística – a menininha ruiva? – e que pode muito bem se juntar com o processo de criação artística.
Uma outra idéia levantada pela canção e que poderia muito bem ser associada ao cartoon seria a de que “a alegria do povo brasileiro é tão contagiante que pode motivar até mesmo o Charlie Brown”. Não deixa de ser interessante esta visão, mas ela não deixa de concordar – mesmo na sua simplicidade – com a mesma visão do artista sonhador, atrapalhado e que não consegue se inteirar plenamente de sua realidade, criando uma fuga existencial.
Aliás, a letra de Caetano Veloso para a canção “Livro”, do álbum homônimo de 1997, coincide com esta visão existencial do artista. Afinal, a ausência de livros não impede que “ela tropece nos astros desastrada”, fazendo uma analogia belíssima entre o mundo sonhador e o “Chão de Estrelas” (do Orestes Barbosa) – que, por acaso ou não, também faz uma referência a vida do artista, que vivia “vestido de dourado” e é “palhaço das divinas ilusões”.
O Charlie Brown, no seu desejo íntimo de conquistar a “garotinha ruiva”, acaba não tentando encontrar-se. Mas qual o artista que se encontra? Numa das comunidades do Orkut, perguntaram qual seria a profissão do Charlie Brown quando adulto. Diante de tudo que ele passa e sofre, só vejo duas alternativas: a primeira, já explicitada no texto, de um artista; a segunda, de um cargo qualquer de chefia, onde ele iria descontar todas as suas frustrações em cima das outras pessoas, tentando vingar-se do seu passado introspectivo e desastrado.

Apesar de tudo, hoje digo: sou, com orgulho, um Charlie Brown. Talvez um pouco tirano, sim, mas querendo sempre ser muito mais artista. Porém, procuro analisar e ver que as coisas que aconteceram em minha infância me fortaleceram, me edificaram, me fizeram crescer e engrandecer diante dos desafios. Não fiquei com a percepção evasiva da “garotinha ruiva”, até porque não preciso de alguém que seja o oposto de mim para me completar, mas de procurar a minha “Charlotte Brown”, aquela que irá somar – sempre – comigo. Na verdade, digo hoje que somos o encontro entre o Charlie Brown e a Lisa Simpson. Sim, “The Simpsons”, outro desenho. Igualmente apaixonante para mim. A Lisa, com suas inquietações acerca do mundo, sua paixão pelo jazz e suas crises existenciais ao saber que é a única coerente numa família desajustada. Eu, Charlie Brown, encontrei minha Lisa. Esta Lisa não tem família desajustada e os pais do Charlie aparecem nesta trama. A Lisa e o Charlie se encontraram. E, juntinhos, seguem vivendo um amor que sempre existiu... e que jamais irá terminar.

quarta-feira, 10 de março de 2010

O que aconteceu, mulher?


 
Na passagem de ano, meu irmão e sua noiva (ainda iriam se casar) convidaram nossa família para passar a virada em Cabuçu. Confesso que, por mim, ficava no aconchego do meu lar, curtindo meus LPs e saboreando uma cerveja Bohemia bem gelada. Mas como a família toda iria, resolvi ir de boa. E me arrependi. Passei os dias tendo que ouvir “me dá patinha”, “fica atoladinha”, “lobo mau”, “rebolexion”, “relaxe na bica”, enfim, os hits do verão. Triste, muito triste, triste até demais.
Mas este som horroroso não era a única inquietação que permeava minha mente naqueles dias. Acompanhando tudo isto, via cenas tétricas, que me fizeram questionar profundamente uma série de valores. E sim, sei que estou pronto para ser chamado de “elitista”, “arrogante”, “tradicional”, “antigo” e o diabo a quatro. Não ligo, quero expressar minha opinião. Posso?
Seguindo o “ritmo” da canção, via várias mulheres – muitas delas jovens, entre seus quatorze a vinte e cinco anos – entregando-se freneticamente a danças maliciosas, ousadas e até certo ponto agressivas. Coisas como simular sexo oral, em posição “de quatro”, se ofertar com diversos homens... para quem vive nos eventos de camisa colorida da vida, cenas como essa são extremamente comuns. Pode até ser. Mas, para mim, faz voltar alguns anos no tempo e fazer uma profunda análise sobre o que pode explicar várias mulheres demonstrando um comportamento tipicamente subalterno, mesmo depois de toda luta por uma emancipação.
Como muitos estão carecas de saber, até a década de 1960 a mulher basicamente era um “nada” em termos de existência. Não passava de um mero “instrumento para cuidar do lar e reproduzir”, se quisesse ter algum tipo de respeito. Relegada a cozinha e as tarefas domésticas, como limpar a casa e observar os filhos, sofriam de uma grande limitação. E quando tentavam ousar (fosse estudando, fazendo atividades braçais ou trabalhando com artes), eram rejeitadas e tidas como “esquisitices” dentro da concepção de “mundo normal”.
A partir dos anos 60, o movimento feminista começa a questionar este papel limitado da mulher na sociedade. Tenta, essencialmente por meio de atitudes, mostrar que a mulher pode sim exercer atividades ditas “masculinas”. Busca uma emancipação maior deste papel da mulher. Conseqüentemente, isto reflete na cultura. A música, é claro, estava lá, e é neste período que vemos a figura feminina sendo agora valorizada – e, o que é melhor, com várias compositoras, expressando o seu verdadeiro eu. Mulheres como Vera Brasil, Sônia Rosa, Teresa Souza, Tuca, Rita Lee, Sueli Costa, Sônia Burnier, Solange Boecke, Ana Maria Bahiana, Joyce, Ana Terra, Isolda e Fátima Guedes começam a escrever uma visão feminina dentro das canções. Mostram a luta que esta mulher encara pelo seu dia-a-dia, pela busca do seu cotidiano. Claro, ainda que muitas vezes inserindo pelo viés do romantismo, mas ainda assim com uma nova visão. Não a da mulher que se perde na orgia (como disse Sinhô em Gosto Que Me Enrosco), nem da miserável que vivia traindo (como Vingança, do Lupicínio Rodrigues), mas da mulher que buscava ser o que era e o que sentia.
Paralelamente a isto, uma geração de grandes cantoras aparecia para retratar esta nova ênfase do eu-lírico feminino. Simone, Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina, Fafá de Belém, Nara Leão e Elba Ramalho são algumas que conseguiram tornar-se conhecidas até os dias atuais. Em um plano mais ignorado atualmente, tínhamos Maria Martha, Célia, as outroras citadas Sueli Franco, Joyce e Fátima Guedes, Diana Pequeno, Maria Creuza, Jane Duboc, Marlui Miranda, Amelinha, enfim, um time de respeito. Todas elas, sem exceções, cantaram canções que refletiam a mulher emancipando-se. Uma Nova Mulher, como canta a Simone numa belíssima canção de 1989. Aliás, escrita por dois sambistas, Paulo Debétio e Paulinho Rezende.
Sim, eu sei... o samba sempre foi essencialmente machista. Mas daí descambar para o retrocesso, por favor... é isto que me interrogo. A mulher lutou tanto por esta emancipação, mas parece que as novas gerações vem, pouco a pouco, destruindo toda esta luta. O pior, subvertendo argumentos utilizados por toda aquela década de 60 e 70. É bem verdade que alguns versos soam forçosamente demagogos, como os de Vinícius para a canção Regra Três ou os de Chico Buarque para Pedaço de Mim. Mas nenhum dos dois negou veementemente serem “canalhas”. Senão, será que teríamos ouvido Mil Perdões ou Escravo da Alegria?
O grande senão de toda história começa do instante que a mulher demonstra esquecer de que lutou por anos contra esta imagem subalterna, a imagem da Amélia ou a “da cor do pecado”. Não tirando, é claro, o mérito do Ataulfo, do Mário Lago e do Bororó, todos grandes compositores. Mas declaradamente machistas, reducionistas.
E então, vai chegar ao ponto? Sim. O que ocorre é que vemos hoje mulheres restituindo a imagem vazia de fúteis, em busca de uma pretensa curtição. Ao subverter a sua liberdade sexual, querem responder na mesma moeda com comportamentos usados por homens ao longo dos anos. Ontem, quando conversava com minha Moreninha (e que resultou na inspiração deste texto), ela citou uma coisa interessante: muitas mulheres, no afã de quererem “vingar-se”, vivem seus relacionamentos sem nenhum laço de comprometimento, dizendo que “Ah, eu vou trair, afinal ele me trai”... o pior é que este tipo de comportamento vem se tornando cada vez mais usual nos dias atuais, parecendo que responder na mesma moeda é a coisa mais eficiente do mundo.
Digo-lhes: se o código romano fosse eficiente, estaríamos até hoje sob o julgo dos césares. A idéia do “olho por olho” não funciona. O respeito, o valor, o carinho, a cumplicidade, elementos fundamentais para a boa vivência entre os seres, vem cada vez mais se perdendo. Na música, isto já é claro: hoje, a garota diz com todas as letras que é “estrelinha”, “que é cachorra, que é gatinha”, que quer ser possuída por “um gatinho selvagem” que “arrocha” e pede, sem o menor pudor, para o homem deixá-la “toda enfiada”, pois ela já deu pra fulano, beltrano, ciclano e deltrano, sendo que este não usou camisinha e engravidou a cachorrinha, que “lhe dá, lhe dá patinha”.
Preocupa-me. Ser sincero hoje é ser idiota. Muitos devem olhar este artigo e dizer “eis um idiota”, ou melhor, “ih, que otário”. Talvez um idiota, um otário; com certeza, uma pessoa preocupada com esta degradação humana. Afinal, música você seleciona. Pessoas também. Mas quando todas elas absorvem um padrão... ainda bem que muitos de nós não seguimos padrões.

É... acho que as mulheres deveriam repensar um pouco sobre o que escutam. Penso que elas poderiam tentar entender que são mais que periguetes “relaxando na bica”, com o “biquíni enfiado na bundinha”. Se elas preferem “mostrar o pacotão”, azar. Mas fico triste em ver que isto vem se tornando uma constante. E os mesmos esteriotipos, que tanto lutou diversas feministas, são aos poucos revividos. Precisam, portanto, as mulheres buscarem um pouco da sua história de luta e esquecerem o papel meramente revanchista. Como disse Moreninha ontem, “o que é coisa de mulher e coisa de homem”? Somos seres humanos. Simplesmente.

terça-feira, 9 de março de 2010

Rock com Vatapá e Pimenta: como fabricar uma pseudo-contradição




Semana passada, a Polysom/Deck Discos anunciou que estava colocando a venda os primeiros vinis fabricados no Brasil desde 2008, quando esta mesma fábrica – a última que conserva a fabricação de LPs e compactos – foi fechada devido a dívidas com fornecedores. Dentre os lançamentos, deparo-me com o último disco da Pitty, “Chiaroescuro”. E então minha mente voltou dez anos no tempo para fazer uma análise.
Na época, existia um grande barulho diante de um possível advento da cena roqueira na cidade de Salvador. Alimentado por algumas rádios e projetos “alternativos”, parecia que existiria um anátema aos ritmos mais popularescos, como o axé-music e o pagode (o arrocha ainda não havia sido concebido nos bregas de Candeias e afins).
De fato, no início, surgiram boas bandas, impulsionadas principalmente pelo sucesso do conjunto musical Penélope, que apareceu com uma versão de “Namorinho de Portão”, de Tom Zé. Além disso, este conjunto fez um disco até legal (“Mi Casa, Su Casa”, Sony Music, 2000) e abriu a esperança de que outras bandas de mesmo porte pudessem galgar no cenário baiano ou até mesmo nacional.
Mas o que trago aqui é justamente uma visão desacreditada e realista, passado dez anos. A verdade dos fatos, pura e simplesmente.
Não é que o cenário rockeiro de Salvador era tão promissor assim. Na verdade, vivia-se uma especulação muito intensa do próprio mercado sonoro. Pouca gente sabe, mas o Penélope surge para o Brasil no festival Abril Pro Rock de 1999, patrocinado pela efêmera gravadora Abril Music. Este mesmo festival havia revelado o Los Hermanos e, mesmo que não admitindo, era um ótimo mercado indie, visando encantar jovens que quisessem se demonstrar “contra o sistema”, ainda que não soubessem enxergar que sistema era este.
Salvador vivia no topo desta contradição, pois era vista em todo Brasil como a “terra do axé”. Ora, os empresários viram que aquele “conflito musical” seria ótimo para os seus negócios. Começou-se a patrocinar shows e eventos. Criou-se festivais alternativos e a moda entre os jovens – ao qual me incluo – era andar de preto e com roupas fazendo apologias a bandas de rock, de preferência pesado. É nesta época que o “Palco do Rock”, uma bagunça, foi criado em pleno carnaval. Ou, como disseram uma vez, o “Carnaval dos Excluídos”.
Nas paradas, bandas até então desconhecidas começaram a emplacar alguns hits. Bandas como o Inkoma, que tinha a Pitty nos vocais – diga-se de passagem, uma outra Pitty; o Injúria, banda que misturava heavy metal com macumba (nada muito novo, pois o Gangrena Gasosa já fazia isto nos anos 90); o Dois Sapos e Meio, uma banda mais pro hard core; o Retrofoguetes, banda que misturava hard rock com música nordestina; Mil Milhas, uma banda de tiozinhos que veneravam Beatles, Dire Straits e Elvis Presley. Entretanto, de novo, nada delas apresentava. Eram apenas uma soma “mais do mesmo”, pois falar palavrão e dizer que é anti-cristo (tema que a maioria delas abordava) não era nenhuma novidade; o Black Sabbath, por exemplo, fazia isto já em 1970, ou seja, trinta anos antes.
Aliás, a própria Penélope não era assim tão original... o som deles era uma mistura de Metrô (aquela banda oitentista da Virginie) e Sempre Livre (da ótima Dulce Quental), mas com um toque meloso. Aliás, as suas próprias “inspirações” não tinham nada de original, pois descaradamente copiavam Suzi Quatro, B-52’s e Blondie.
Mas o que quero dizer, afinal? Apenas mostrar que aquela prometida cena roqueira baiana de dez anos atrás não vingou porque foi fabricada. A própria Pitty, que se vendia como uma anti-sistema, rapidamente acolheu o próprio sistema. Mas pior do que isso é vê-la fazendo, hoje, tudo aquilo que a mesma criticava nos palcos. As demais bandas sumiram, ficando nas lembranças perdidas ou nos agradecimentos do encarte do CD do Penélope – que, logo após, lançou dois discos ruins pra dedéu e terminou, graças a Deus!
Mas o pior de tudo é o fato dos jovens conservarem consigo, até hoje, um comportamento extremista e revanchista, criando uma espécie de lei de “ação e reação”. Lembro-me que tentei montar uma banda de rock na época. Eu seria o vocalista, mas a maioria das minhas sugestões musicais eram recusadas pelos companheiros. Motivo? Ao querer trazer samba, soul, baião, forró, xote, lundu, enfim, gêneros musicais genuinamente brasileiros, os demais integrantes achavam aquilo uma “concessão ao sistema”. Que sistema? Que definição chula é essa? Então eles preferiam cantar com o Márcio Mello que “o galo cocoricou só pra gente fuder” ou imitar o Marilyn Manson (?) ruminando “A Beautifull People”? Meio complicado de entender.

Aliás, passados dez anos, ainda não compreendo. Quando penso que a Bahia transpôs grandes compositores para o Brasil, e hoje vive entre os extremos do pagode acéfalo e do rock ignóbil, lembro que Raul Seixas, Ed Star, Novos Baianos, Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Camisa de Vênus são filhos desta terra. E que, dentro da sua eternidade e cada instante, deixaram uma marca indelével no rock tupiniquim – que se não é grande, deixou grandes heranças na nossa história musical. Porém, percebo que vamos viver uma completa e complexa guerra de egos, sustentada e manipulada por uns poucos, interessados apenas no lucro. Uma pena: poderíamos ter uma geração de músicos talentosos. Bastavam eles não se venderem ao sistema de ser “contra o sistema”. Bastavam eles serem originais.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Uma pausa para lembrar a mulher




Hoje, ao acordar, resolvi dar uma olhada na televisão. Sei, não tem nada que preste, mas pelo menos ver alguma coisa. Então, deparei-me com um jornal falando sobre o dia 8 de março... Dia Internacional da Mulher. Hoje. E, curiosamente, algo despertou minha atenção.
Pela primeira vez em anos, vi alguém na televisão falando a origem do Dia Internacional da Mulher. Pouca gente sabe, mas em 1857, um grupo de tecelãs que lutavam por melhores condições de trabalho foram trancadas e queimadas vivas em uma fábrica. Por anos eu sabia deste fato, mas tive que aturar – inclusive colegas da área de educação – dizendo que o Dia Internacional da Mulher era apenas “uma simbólica homenagem escolhida ao acaso no mês de março para lembrar de todas as mulheres que, algum dia, deram sua vida por melhores condições”. A afirmação não deixa de ser verdadeira, mas omite o que aconteceu de fato e de direito.
Agora, mais irônico que tudo isso é saber que foram precisos 118 anos para que esta data fosse homologada. Foi preciso esperar a ONU tomar esta decisão em 1975. Foi preciso que outras tantas e tantas mulheres fossem queimadas, torturadas, estupradas, assassinadas, humilhadas na luta pelos seus direitos.
Remonta-me Germinal, do Émile Zola. As condições sub-humanas. A degradação existente. A mulher sendo exposta a uma condição bizarra e pouco efetiva em nossa sociedade. Penso em tudo isso quando invoco os 118 anos de ignorância plena com um evento que não só refere-se à mulher, mas ao trabalhador em geral.
Acho que agora entendo um pouco o Andy Warholl quando disse que “todos os seres humanos tem direito a quinze minutos de fama”. Um tempo efêmero, um simples quarto de hora em toda a sua existência – uns 73 anos? Mas foi preciso que estas mulheres esperassem 153 anos (pois é) para que, pela primeira vez numa televisão brasileira, chamassem a atenção do público.
Mas não parabenizo a televisão, ou o programa, ou a apresentadora, ou quem quer que seja. Fizeram mais que a obrigação, ainda que tardia. Demorou, mas aconteceu. Ou não?
Acho que os versos de Joyce na canção “Feminina” traduzem um pouco a idéia que a mulher carrega até os dias atuais: a sociedade vê a mulher como apenas um cabelo bonito, um olhar sedutor, um dengo, ser menina por todo lugar. Mas vem a grande questão: por que ser feminina? Será uma sina? Sou apenas um homem que tenta, muitas vezes, entender a alma feminina em sua completude. É misteriosa sim. Plenamente encantadora. Mas nenhum de nós pode negar sua existência e sua luta. Nem mesmo a violenta incineração de 118 tecelãs. Que precisaram esperar mais 118 anos para terem a sua luta reconhecida.
Mas a mulher não deve ser lembrada apenas uma vez ao ano. Tem que ser lembrada todos os dias. Mãe, esposa, filha, enfim... a mulher completamente, dentro da sociedade e em toda sua existência. Pela sua luta. Caetano diria que o homem não “pode querer que a mulher vá viver sem mentir”. Mas ela não precisa mentir. A história – ainda que encoberta – traça muito bem toda uma teia de verdades que foram omissas por milênios. É pena. Ninguém lembra de Creta. Berço da civilização ocidental, foi um dos poucos povos que permitia a mulher um papel decisivo no seu cotidiano. E antes de nós, seres civilizados, que precisamos esperar até 1975 depois de Cristo para deixarmos um dia em memória de todas as mulheres que morreram para serem inseridas na sociedade.
Portanto, não deixo aqui um “Feliz Dia da Mulher”. Deixo a lembrança de todas as mulheres que convivi, convivo e viveram, vivem e viverão neste mundo. Houve alguém que lutou por vocês. Não deixem o “me dá patinha” torná-las, novamente, uma visão subalterna do mundo.

domingo, 7 de março de 2010

Johnny Quem?



Quinta passada, morreu Johnny Alf. Sim, Johnny Alf. Mas sei que, neste instante, muitos “alguéns” dirão: quem é Johnny Alf? A mesma coisa que devem ter perguntado quando Marisa Gata Mansa, Nora Ney, Sérgio Sampaio, Miriam Batucada, Waldyr Calmon e tantos outros partiram para outro estágio de vida.
Claro que, talvez, para o estimado leitor, o nome do Alfredo José da Silva não seja nenhum segredo. Aliás, chamar o Johnny pelo seu nome de batismo sim soaria estranho. Mas o público em geral ignora não só o Johnny Alf, mas uma batelada de artistas que tiveram fundamental importância na MPB.
Os que citei acima são apenas alguns. Admito que ainda não conhecia a Marisa quando do seu passamento, mas procurei pesquisar e conhecer mais sobre esta grande cantora, praticamente esquecida após os anos 70. O Sérgio Sampaio e a Miriam Batucada foram simplesmente companheiros de Raul Seixas e Ed Star (outro esquecido injustamente, mas ainda vivo, graças a Deus) numa das mais célebres obras pastiches da história da MPB, o “Sociedade da Gran-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das Dez”. Nora Ney, embora uma cantora ligada ao pessoal do clube Sinatra-Farney (que incluía o Johnny Alf), foi a primeira pessoa no Brasil a gravar um rock’n roll, na versão de “Rock Around The Clock”, gravada pela Continental em 1954. Por fim, Waldyr Calmon gravou para a extinta Long Play Radio e para a Copacabana (hoje engolida pela EMI) uma série de álbuns de sucesso entre 1950 e 1970, como os famosos “Feito Para Dançar”.
Quando penso nestes artistas que já faleceram e deixaram saudade, me recordo de outros tantos, vivos, e que foram esquecidos ao longo do tempo. Incompetência? Não. Dizer isso de artistas do naipe de Ednardo, Rodger Rogério, Artur Verocai, Ruy Maurity, Amelinha, Claudette Soares, Maria Creuza, Marília Medalha, Maria Martha, Hyldon, enfim, tanta gente boa que, hoje, não está mais incluída em nenhum espetáculo, em nenhum canto... ou que, em felizes (?) casos, ainda mantém seus showzinhos particulares, nas suas cidades e para um público restrito. Assim, priva-se o grande público de conhecer profissionais fantásticos, que colaboraram de maneira intensa na história da MPB. E que, certamente, só voltarão a ser lembrados nas suas mortes quando for publicado seu obituário – que será, fatalmente, repleto de comentários ininteligíveis perguntando sobre o “famoso quem”.
Claro que, em alguns casos, estes artistas vivem reclusos porque querem. Eu daria dois exemplos claros: o do Belchior e o da Dianna Pequeno. O primeiro, como é de conhecimento geral, ficou desaparecido até uma reportagem comentar sobre este fato. Ele acabou aparecendo e esclarecendo os porquês do seu sumiço. Já a Dianna Pequeno simplesmente quis dar um tempo e investir em projetos pessoais, sem contar o fato de que ela não gosta de misturar sua vida pessoal com a vida profissional. Belchior e Dianna Pequeno foram compositores e cantores de duas músicas de suma importância para a década de 1970: “Apenas Um Rapaz Latino-Americano” e a versão em português de “Blowin’ In The Wind”. Ambas as músicas traduziram, como nenhuma outra, a excelência e o poder angustiante que penetrava a alma do jovem brasileiro naqueles anos perturbadores e incertos.
Eu poderia citar uma lista imensa de gente que, hoje, vive escondida por conta do desinteresse dos meios de comunicação. Ou, quem sabe, por conta de sua timidez. Johnny Alf viveu seus últimos anos fechado numa pensão, sobrevivendo de esparsos shows e vendendo sua coleção de discos de 78 RPM para sobreviver. Lutava contra um câncer de próstata já haviam dez anos. Conseguiu chegar até os 80 anos, mas sem o devido reconhecimento que merecia. Pois é... o homem que deslumbrou Tom Jobim, o único postulante ao posto de “inventor da Bossa Nova”. Pois é... o Antônio Brasileiro disse, com todas as letras: “Johnny Alf é o inventor da Bossa Nova”. Mas o brasileiro prefere esquecer. Prefere o rebolation.
Vai, vai, Johnny! Eu sei, você cansou de rock, sua amiga Nora vai te dizer quando chegar aí. Dá um abraço no mestre Vina, tá? E senta na mesa com o Dick e o Frank, degusta de um bom whisky e assiste o show da Marisa. Quem sabe ela não canta "Eu e a Brisa"? Ah, e se os ver, não esqueça do Sérgio, da Miriam, do Waldyr...