terça-feira, 9 de março de 2010

Rock com Vatapá e Pimenta: como fabricar uma pseudo-contradição




Semana passada, a Polysom/Deck Discos anunciou que estava colocando a venda os primeiros vinis fabricados no Brasil desde 2008, quando esta mesma fábrica – a última que conserva a fabricação de LPs e compactos – foi fechada devido a dívidas com fornecedores. Dentre os lançamentos, deparo-me com o último disco da Pitty, “Chiaroescuro”. E então minha mente voltou dez anos no tempo para fazer uma análise.
Na época, existia um grande barulho diante de um possível advento da cena roqueira na cidade de Salvador. Alimentado por algumas rádios e projetos “alternativos”, parecia que existiria um anátema aos ritmos mais popularescos, como o axé-music e o pagode (o arrocha ainda não havia sido concebido nos bregas de Candeias e afins).
De fato, no início, surgiram boas bandas, impulsionadas principalmente pelo sucesso do conjunto musical Penélope, que apareceu com uma versão de “Namorinho de Portão”, de Tom Zé. Além disso, este conjunto fez um disco até legal (“Mi Casa, Su Casa”, Sony Music, 2000) e abriu a esperança de que outras bandas de mesmo porte pudessem galgar no cenário baiano ou até mesmo nacional.
Mas o que trago aqui é justamente uma visão desacreditada e realista, passado dez anos. A verdade dos fatos, pura e simplesmente.
Não é que o cenário rockeiro de Salvador era tão promissor assim. Na verdade, vivia-se uma especulação muito intensa do próprio mercado sonoro. Pouca gente sabe, mas o Penélope surge para o Brasil no festival Abril Pro Rock de 1999, patrocinado pela efêmera gravadora Abril Music. Este mesmo festival havia revelado o Los Hermanos e, mesmo que não admitindo, era um ótimo mercado indie, visando encantar jovens que quisessem se demonstrar “contra o sistema”, ainda que não soubessem enxergar que sistema era este.
Salvador vivia no topo desta contradição, pois era vista em todo Brasil como a “terra do axé”. Ora, os empresários viram que aquele “conflito musical” seria ótimo para os seus negócios. Começou-se a patrocinar shows e eventos. Criou-se festivais alternativos e a moda entre os jovens – ao qual me incluo – era andar de preto e com roupas fazendo apologias a bandas de rock, de preferência pesado. É nesta época que o “Palco do Rock”, uma bagunça, foi criado em pleno carnaval. Ou, como disseram uma vez, o “Carnaval dos Excluídos”.
Nas paradas, bandas até então desconhecidas começaram a emplacar alguns hits. Bandas como o Inkoma, que tinha a Pitty nos vocais – diga-se de passagem, uma outra Pitty; o Injúria, banda que misturava heavy metal com macumba (nada muito novo, pois o Gangrena Gasosa já fazia isto nos anos 90); o Dois Sapos e Meio, uma banda mais pro hard core; o Retrofoguetes, banda que misturava hard rock com música nordestina; Mil Milhas, uma banda de tiozinhos que veneravam Beatles, Dire Straits e Elvis Presley. Entretanto, de novo, nada delas apresentava. Eram apenas uma soma “mais do mesmo”, pois falar palavrão e dizer que é anti-cristo (tema que a maioria delas abordava) não era nenhuma novidade; o Black Sabbath, por exemplo, fazia isto já em 1970, ou seja, trinta anos antes.
Aliás, a própria Penélope não era assim tão original... o som deles era uma mistura de Metrô (aquela banda oitentista da Virginie) e Sempre Livre (da ótima Dulce Quental), mas com um toque meloso. Aliás, as suas próprias “inspirações” não tinham nada de original, pois descaradamente copiavam Suzi Quatro, B-52’s e Blondie.
Mas o que quero dizer, afinal? Apenas mostrar que aquela prometida cena roqueira baiana de dez anos atrás não vingou porque foi fabricada. A própria Pitty, que se vendia como uma anti-sistema, rapidamente acolheu o próprio sistema. Mas pior do que isso é vê-la fazendo, hoje, tudo aquilo que a mesma criticava nos palcos. As demais bandas sumiram, ficando nas lembranças perdidas ou nos agradecimentos do encarte do CD do Penélope – que, logo após, lançou dois discos ruins pra dedéu e terminou, graças a Deus!
Mas o pior de tudo é o fato dos jovens conservarem consigo, até hoje, um comportamento extremista e revanchista, criando uma espécie de lei de “ação e reação”. Lembro-me que tentei montar uma banda de rock na época. Eu seria o vocalista, mas a maioria das minhas sugestões musicais eram recusadas pelos companheiros. Motivo? Ao querer trazer samba, soul, baião, forró, xote, lundu, enfim, gêneros musicais genuinamente brasileiros, os demais integrantes achavam aquilo uma “concessão ao sistema”. Que sistema? Que definição chula é essa? Então eles preferiam cantar com o Márcio Mello que “o galo cocoricou só pra gente fuder” ou imitar o Marilyn Manson (?) ruminando “A Beautifull People”? Meio complicado de entender.

Aliás, passados dez anos, ainda não compreendo. Quando penso que a Bahia transpôs grandes compositores para o Brasil, e hoje vive entre os extremos do pagode acéfalo e do rock ignóbil, lembro que Raul Seixas, Ed Star, Novos Baianos, Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Camisa de Vênus são filhos desta terra. E que, dentro da sua eternidade e cada instante, deixaram uma marca indelével no rock tupiniquim – que se não é grande, deixou grandes heranças na nossa história musical. Porém, percebo que vamos viver uma completa e complexa guerra de egos, sustentada e manipulada por uns poucos, interessados apenas no lucro. Uma pena: poderíamos ter uma geração de músicos talentosos. Bastavam eles não se venderem ao sistema de ser “contra o sistema”. Bastavam eles serem originais.

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