sábado, 13 de março de 2010

Domingo é Dia de Gravar Fita!




Fim de semana chegando... neste calor, uma praia, uma Bohemia gelada e estar ao lado de minha Moreninha seria a combinação perfeita. Entretanto, domingo é um dia que pode ser lembrado de outras maneiras. E então volto uns vinte anos no tempo... e, então, lembro que domingo também era dia de gravar fita!
Sim, o Jorge Ben já tinha feito uma música em que ele dizia “todo dia era dia de índio”. Mas o domingo, em especial, tinha uma coisa em comum: por ser um dia em que quase ninguém trabalhava, era o dia em que os amigos se reuniam, invariavelmente na casa daquele mais abastado. E, conseqüentemente, levavam seus discos, sentavam em frente a aparelhagem de som (que podia varia de um simples 3x1 a um sofisticado System One, da Gradiente) para gravarem suas fitas cassete.
Ora, gravar fita é bem diferente de um CD, por exemplo. Enquanto hoje você chega numa birosca qualquer e compra uns dez CDs por, sei lá, cinco reais, a fita não era tão baratinha assim. Além disso, com a restrição de importações, nós tínhamos um mercado estritamente reduzido de opções. Na década de 70, imperavam as fitas “low noise” (baixo ruído), dentre elas as da Sanyo, da Sony e da Basf. Na década de 80, começou a surgir as fitas de Cromo e, posteriormente, as de Metal. Coisa que, em outros locais, já era comum, mas por aqui demorava... mas então, uma fita custava um precinho elevado e não era todo mundo que poderia tê-la.
Além disso, um bom tape-deck (conhecido vulgarmente como toca-fitas ou gravador, embora estes fossem outros equipamentos) custava muito caro e nem todos poderiam ter. Por isso muita gente optava pelos “integrados” ou 3x1, aparelhos que reuniam toca-discos, rádio AM/FM e toca-fitas.
Passado a fase de detalhes, vinha a questão: o que gravar? Bom, para muitas pessoas, a tarefa era simplesmente gravar um disco que era legal, mas que nem todos podiam comprar. Fazia-se então uma roda comunitária: um amigo comprava o disco e os outros gravavam. Era uma verdadeira socialização, regada a conversa, bate-papo e muita alegria.
Obviamente, as fitas gravadas saiam como verdadeiras “colchas de retalhos”. Tinham de tudo um pouco, agregando John Lennon, João Gilberto, Paulinho Boca de Cantor e Edith Piaf no mesmo lado. Pense na maluquice? Mas isto era o gostoso, o “imprevisível” da gravação, ouvir “Non, Je Ne Regrette Rien” e, em seguida, “Valeu”.
Claro que havia uma pequena parcela que tratava a gravação da fita como o seu momento “eu produtor de mim mesmo”. Nada mais oportuno, logo, quando o Milton Nascimento fez “Caçador de Mim”, porque a lógica era a mesma: a busca pela auto-descoberta, mas ao invés de optar por uma auto-reflexão, optar pelo direito de criar uma fita conforme seus gostos e princípios. São dessa lavra fitas que eram verdadeiras coletâneas íntimo-pessoais, reunindo músicas desconhecidas de cantores consagrados. Imagine você pegar uma fita gravada com a Gal Costa que, ao invés de “Meu Bem, Meu Mal”, tinha “Barato Total” ou “Rumba Louca”? Muito louco!
Mas aquela mágica de escolher, disco a disco, o que gravar; o trabalho de reunir todos os discos possível de um determinado autor; a idéia, a forma de colar as músicas para torná-las atraentes entre si; o mistério, o segredo de como a fita ficaria; saber se as músicas sairiam perfeitinhas após cada gravação; enfim, uma verdadeira atmosfera que fazia um domingo inteiro servir para gravar apenas uma ou duas fitas, no máximo.
Mas isto foi se perdendo... como disse acima, hoje você compra “mídias” de CD-R baratinho e em qualquer lugar. Com um computador na Internet, você baixa arquivos (?) de MP3, com qualidade extremamente duvidosa, abre o Nero, coloca a ordem das músicas e deixa o computador fazer o resto sozinho. Perdeu-se a atmosfera do mistério. O que era uma busca maravilhosa pelo repertório perfeito virou uma cansativa repetição de um processo totalmente automatizado.
Apesar disso, uns poucos abnegados – dentre eles, este que vos fala – ainda conservam o hábito de gravar suas fitinhas. Mantendo um estoque de fitas virgens, fazemos o possível para preservar este ritual delicioso, envolvente e misterioso. Afinal, uma fita é um prazer, é uma auto-análise mesmo, você está ali buscando o que lhe intriga, o que lhe agrada, seccionando aquelas coisas que podem lhe incomodar. Gravar uma fita é uma tarefa gostosa, sadia e interessante. Melhor que isso, só estar ao lado da mulher amada.
Mas vou tentar ensinar vocês, estimados leitores, a fórmula para fazer a sua fita! Sim, façam a sua fita! Não tem tape-deck? Improvise com o computador! Não tem LP? Tudo bem, apele para o CD ou o MP3, não é tão bom, mas serve (exceto para alguns doentes em audiofilia, que acham melhor ficar buscando problemas num aparelho ou num disco). Primeiro, pense naquilo que lhe atormenta... depois, pense no artista ou no tema que você quer gravar. Achou? Pronto: posicione a sua angústia frente ao artista/tema escolhido. Busque, na sua mente, músicas que complementem o elemento principal. Escute UMA A UMA, passo a passo. Depois, vá percebendo como deve dispô-las no seu CD. Qual deve abrir o disco? Qual deve encerrar? Devo aumentar a intensidade do som e, depois, diminuir? Quem será o público que irá escutar minha fita? Pra que ela servirá?
Pronto... se você conseguiu superar tudo isto, parabéns! Agora é a bendita hora de gravar. Caso você não tenha seu tape-deck e vá fazer um “improviso neriano”, procure usar a velocidade de gravação mais baixa possível. E outra: evite usar aquela equalização automática do Nero, pois ela distorce algumas músicas. Se possível, use o Soundforge e equilibre com suas próprias mãos cada música. O que é bem mais difícil do que sentar na frente do toca-fitas e gravar suas próprias coletâneas.
A marca da fita... hum... pode ser Basf/Emtec, TDK, Maxell... mas não conheço nenhuma melhor que a Sony. O problema é: onde encontrar? No Mercado Livre sempre tem, mas é bem caro. Uma fita hoje sai na média de cinco a cinqüenta reais, dependendo do modelo e da marca.
Para você testar seu desempenho, vou mostrar uma coleção de músicas que deixo pra vocês curtirem neste domingo. Abra com um som bem intenso (“A Fim de Voltar” do Tim Maia é perfeita), envolva algo mais romântico (“Baixo Rio”, do Ed Motta ou “A Francesa”, na versão do Cláudio Zolli – a da Marina não vale), bote “Odara”, com Caetano e Nara cantando; em seguida, é a vez da versão “disco” de “Não Existe Pecado Ao Sul do Equador”, com Ney Matogresso e do reggae “Eu Também Quero Beijar”, com o fantástico Pepeu Gomes. Elektra demais? Jogue um Philips no meio, com “Taj Mahal”, do Jorge Ben (na versão do álbum “África Brasil”, a melhor de todas). Tempere com um toque mais “latino” e coloque “Kibe Cru”, do Chico Batera (tem na trilha de “O Casarão”). Aí vá pro romantismo, com “A Cruz”, do Carlos Dafé e “A Lua e Eu”, do Cassiano. Encerre o lado A com um dueto do “carvalho” entre Elis Regina e Tim Maia em “These Are The Songs”.
Para o lado B, a vez das mulheres: abra com “Espírito do Som”, com a Rosa Maria, misturando em seguida com a versão de Caetano Veloso para “It’s Now Over, Baby Blue” do Bob Dylan, mais conhecida como “Negro Amor”, gravada pela Gal Costa em 1977. Aí abra a roda e coloque um samba puxado pro soul, com Leci Brandão cantando “Essa Tal Criatura”. Uma outra boa pedida é colocar a Diana Pequeno cantando uma belíssima versão de “Um Girassol da Cor do Teu Cabelo”, seguida da versão da Wanderléia para “Menino Bonito”. Só versão? Taque uma original, com Joyce cantando “Feminina”, embale o ritmo com A Brazuca cantando “Juliana”, posicionando em seguida “Dancing Cassino”, com a Fátima Guedes. Pra encerrar, chama a turma pra dançar e coloca “A Noite Vai Chegar”, com a Lady Zu. Taí tua fita original, totalmente louca e tudo a ver – com você, não com a platinada.

E lembrem-se: nada mais gostoso que escutar o som desta fita, bem gravada, ao lado da mulher amada. Saborei!

2 comentários:

  1. Adorei o túnel do tempo! Mas, só uma dúvida: será que ao me preparar para gravar a fita, ao invés de pensar no que me atormenta, poderia pensar no que me faz muito feliz e trocar a angústia pela felicidade, prazer, alegria, emoção? Bjo da sua Lisa!

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  2. Com certeza, Moreninha... risos... afinal, a razão de fazermos uma fita é de construirmos algo que está ligado ao nosso interior... como o amor que sentimos. Inteiro... sempre... completamente!

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